| APAPEPRESS 360
 O RIO GRANDE É UM ABRAÇOA Estância é de São Pedro. E São Pedro está incomodado. De repente, a mão de rios avistada pelos colonizadores portugueses tornou-se garra, que com fúria olímpica devastou o Rio Grande. Tornamo-nos cordeiros guachos[1], num balido único, procurando, no pampa, a mãe perdida. Apesar de todas as nossas diferenças e nossos arraigados preconceitos, todos nós, os “pelo duro”, “os pretos”, os “bugres”, os “alemães-batata” e “os gringos” tornamo-nos um só. Amanhecemos lanceiros[2] e adormecemos Charruas[3] em volta do fogo, em busca de um conforto perdido em algum galpão empoeirado. Foi como se o mate amargo[4] estivesse estado lá, sempre, como um aviso: há que se ter equilíbrio entre o verde da erva e o calor da água. E como se algum desavisado, ao adentrar no galpão, boleando[5] o pala[6], derrubasse a cuia[7]. Foi-se a erva, foi-se a água, fez-se o estrago. Na década de 90, meu pai tinha uma égua tostada que sofreu um acidente num barranco, na velha Chácara da Cascata. Tinha sido presente de um sobrinho querido. O nome, Lixiguana (chuva fina que cai de lado). O veredito foi uníssono, era caso de sacrifício. Não conformado com isso, levei a égua à Clínica da Hípica. Operada por mão de fada, a égua se reergueu. Não serviu mais para montaria, mas embelezava o campo e ainda deu para tirar uma cria. E que baita[8] cria. O tratamento foi longo e cansativo. Naquela ocasião, a égua foi rebatizada com o nome de “Esperança”. Enfim, tem sempre um cavalo envolvido. O cavalo Caramelo não resistiu firme no telhado a troco de nada. Resistiu para lembra-nos que nós, gaúchos, somos centauros. Combalidos, mas centauros. Chove torrencialmente, mas tornamo-nos abraço. E aos poucos a ele juntaram-se mãos amigas, vindas do Sul, Sudeste, Centro-oeste, Norte, Nordeste, de todos os mais recônditos cantos do Brasil, para lembrarmos que fazemos parte de algo maior e íntegro. Um abraço oriundo da adversidade, mas que contém aquilo que os gregos denominavam filotimia (apreço pela honra, pela dignidade), a philia (amizade, afeição) e eunoia (benevolência). Estamos crescendo. A cada alvorecer somos mais gaúchos e menos guachos. E vamos reconstruir o Rio Grande. Como dizia o poeta: “vai-se um ano, mais outro, não me iludoforam tantas lixiguanas pelegueadas
 Eu sinto frio mas apesar de tudo
 O meu destino é andar quebrando geada”[9]
 Se nessa pelegueada[10] conseguirmos nos tornar um Estado mais atento à mãe terra e à Justiça Social, teremos feito nossa maior façanha. E não seremos apenas o modelo, seremos gigantes. César Vergara de Almeida Martins CostaAdvogado membro do Conselho Superior do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul
 [1] Guacho – animal sem mãe, amamentado com leite que não é o materno[2] Alusão ao Lanceiros Negros –  negros livres ou de libertos pela República Rio-Grandense que lutaram na Revolução Farroupilha.
 [3] Alusão aos índios charruas que habitaram a região dos pampas do Rio Grande do Sul, do Uruguai e do sul da Argentina.
 [4] Chimarrão – infusão de erva-mate que passa de mão em mão.
 [5] Bolear – sentido figurado – alçar, girar.
 [6] Vestimenta típica do gaúcho – Poncho.
 [7] Recipiente de cabaça onde se faz o chimarrão.
 [8] Expressão gauchesca: grande, enorme.
 [9] Jayme Caetano Braun -Geadas
 [10] Luta, batalha, combate
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